domingo, 28 de julho de 2013

Trilhos, dormentes, estação... só faltou o trem!

Partidas e chegadas. Encontros e despedidas. Tristezas e alegrias. É assim a vida. Algo bem representado pelas estações de trem. Uns indo embora. Outros chegando. Retornando. Algo um tanto reflexivo. Filosófico.

Pessoalmente, a imagem de trilhos sempre me causou uma sensação de perspectiva, futuro, ir em frente, chegar longe. Algo muito bom de se sentir.

Cresci numa rua que ficava em frente a um trecho da linha do trem. Lembro de alguns vagões carregados de pedras. E, como não era algo freqüente, o som dos vagões passando tirava todo mundo de dentro das casas. Grande parte da rua ficava admirando a cena. Lembro, também, que os vagões eram avermelhados e que tinham bem grande o nome RFFSA.

Eu tinha um desejo, apesar de achá-lo impossível, de seguir algum trecho de trem. E várias vezes sonhei(literalmente) viajando em um. Por incrível que pareça, ainda hoje sonho com trens. Infelizmente, nunca estou dentro deles, só do lado de fora olhando.

Depois de adulta, o destino me colocou em contato, novamente, com essa história de trem e trilhos. Recebi um convite para administrar um antigo armazém pertencente a essa mesma linha e que seria transformado em um centro de cultura. Logo, quis conhecer a história daquilo tudo. Armazém, estação, locomotivas, maria fumaça, vagões. Então, fiz uma pesquisa com alguns ferroviários aposentados que residiam na cidade.

A Estação Ferroviária de Salgueiro, inaugurada em 1962, é o fim da Linha Centro, que ligava o litoral pernambucano ao Sertão. De fato, é o que podemos chamar literalmente “o fim da linha”, pois o projeto ficou inacabado. A proposta inicial era continuar o trajeto até Missão Velha, no Ceará. Esse intento, no entanto, nunca foi concretizado. E o lugarzinho onde os trilhos acabam, ficou sendo chamado de corte.

Nossa programação de domingo, hoje, foi fazer um pic nic em uma dessas muitas estações entre Salgueiro e Recife. Distante 15 km da área urbana. Abandonada e em ruínas. Mesmo assim, dá para sentir toda a energia do que aquilo representou e testemunhou. O nome, na fachada do prédio, ainda está intacto. Engenheiro Arlindo Luz. Quem teria sido? Merece uma pesquisa. De acordo com os ferroviários com quem conversei, é a 43ª estação desde Recife. A seguinte, e última, é a de Salgueiro, onde, atualmente, funciona uma secretaria municipal.

As casas, onde os ferroviários residiam, ainda permanecem lá, mas, igualmente, em situação de deterioração.

Entre as músicas mais bonitas de Milton Nascimento, uma, em especial, traduz um pouco desse romantismo e simbolismo das estações de trem e me marcou muito, na morte do meu pai. Uma bela composição chamada Encontros e Despedidas. Ajudou-me a compreender o processo natural da vida. Perdas e ganhos. Nascimentos e mortes. Idas e vindas. Alegrias e tristezas. Meu pai partia ao mesmo tempo em que muitos acabavam de chegar ao mundo. E na mesma estação, que é a vida.

Todos os dias é um vai-e-vem
A vida se repete na estação
Tem gente que chega pra ficar
Tem gente que vai pra nunca mais

E é bonito perceber que o trem que chega é o mesmo que parte.

Pois bem. Embaixo de um pé de algaroba, sobre os trilhos de ferro e os dormentes de madeira, inspirados, mesmo que inconscientemente por todos esses simbolismos, improvisamos uma refeição bem típica de nossa região. Uma deliciosa galinha de capoeira, baião de dois e farofa de cuscuz. Muitas conversas. Bastantes risadas.

E o lugar do abandono, pelo menos hoje, foi povoado por um encontro entre amigos.  

 Perspectiva


Lá em cima, ainda conservado: Engenheiro Arlindo Luz


Fachada em 2013. 15 km da zona urbana de Salgueiro


Fachada em 1960


Estação, pelo lado de dentro


Casa dos ferroviários em ruínas


Galinha de capoeira, cuscuz e baião de dois


 Já que o trem não passa mais...


 É (foi?) a 43ª estação da linha Recife-Salgueiro


Equilíbrio

Fundos da Estação. Percebam, em segundo plano, as casas dos ferroviários




Jéssica, Nih, Bruno, Willy, Raquel


Encontros e Despedidas. interpretação de Maria Rita. 
O trem que chega é o mesmo trem da partida.



O trem inspirando Raul Seixas

Um comentário :

  1. Belo texto Raquel Rocha. Gosto das suas narrativas, encanto-me com elas. Quando os leio, até parece que estamos conversando "face to face"... rsrsrrs
    Gosto desse seu estilo retrô tão lindo e tão meigo, contudo tão percebedor das coisas e dos fatos.
    Adoro te ver brilhando como jornalista ou modista, como pessoa de bem e cheia de vontades.
    Faço parte da tua plateia, viu????
    Beijo grande para uma grande mulher.

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