segunda-feira, 8 de julho de 2013

A saudade é dor pungente, morena. A saudade mata a gente.


Em 1900, Manoel Joaquim, que morava no Cedro-PE, embarcava em direção ao norte do País. Deixava, provisoriamente, uma esposa e quatro filhos. 

Em um barco a vapor chamado Paes de Carvalho, percorreu alguns rios entre Piauí (Amarante, Teresina), Maranhão (Caxias e São Luís) e Pará, até chegar a Manaus, no estado do Amazonas.

Registrou a saudade de casa e da família em um diário, que se perdeu, e em cartas, algumas das quais foram conservadas até hoje, ainda que em fragmentos. Mas, para mim, o registro maior de todos é o do sentimento pela esposa que, aliás, tinha um nome inspirador. Era Bemvinda do Amor Divino. 

Nessa época, as notícias demoravam a chegar. Imagine, um mês para uma correspondência chegar ao destino e mais outro mês para retornar como resposta. Sem o telefone ou a internet e seus recursos que, hoje, amenizam a saudade, os reflexos da distância são inimagináveis para a nossa geração. Principalmente se for entre pessoas que se gostam.

Em 9 de abril de 1902, Manoel Joaquim redigia uma carta para Bemvinda e relatava que, apenas, em 28 de março, pode estar em posse da “amável cartinha datada de 23 de fevereiro”  postada por ela. Um mês e cinco dias contados da data de envio.

É esse o tom das palavras. Muito afeto e diminutivos carinhosos. Deixa, para os tradutores, uma boa definição sobre a saudade, termo considerado de difícil tradução:

 “(...)um só momento do dia e da noite desde que tive a infelicidade de sahir da tua presença até esta data nunca jamais me esqueci de ti, nem descansarei o meu espírito semq nos vejamos. (...) Este ano e tantos meses de auzencia tem sido para mim uma porção de séculos passado no mais duro cárcere (...)”.

Na carta de 23 de fevereiro (não tive acesso), Bemvida relata problemas de saúde. Em resposta, Manoel supõe que seja mal de um amor distanciado. “(...) essa mesma saude que indica a convalencia do que sempre andas soffrendo, toda via crendo ao mesmo tempo que são malles cauzados pelo nosso amor a tanto tempo distanciado.”

Infelizmente, quando Manoel Joaquim retorna ao Cedro, em 1902, não encontra a esposa. Morrera, havia oito dias, com, apenas, 26 anos.

Neste fim de semana estive com uma das netas de Manoel e Bemvinda, Jacintha Anna (84), e perguntei sobre a causa do falecimento da avó. Ela não sabe informar.

Eu, particularmente, acho que é possível adoecer de saudade. E morrer de amor.

Tenho o privilégio de ser trineta de Manoel e Bemvinda e de ter tido acesso a um pedacinho pequeno, porém muito significativo da minha história que, agora compartilho com vocês. São essas as maiores heranças.







Transcrição:

Pará, 9 de Abril de 1902

Querida Bemvinda, abraço-te. No dia 28 de março as 4 ½ horas da tarde entrei 2ª vez na posse de tua amavel cartinha datada de 23 de fevereiro p. findo a qual veio encher-me de prazer por saber da tua saude e de nossos filhinhos(...)

(...) essa mesma saude que indica a convalencia do que sempre andas soffrendo, toda via crendo ao mesmo tempo que são malles cauzados pelo nosso amor a tanto tempo distanciado.

Deus e nossa Mãe Maria S.S. não desampara os seus e portanto é em qm verdadeiramente confio o nosso bom êxito o mais breve possível ...

(...)um só momento do dia e da noite desde que tive a infelicidade de sahir da tua presença até esta data nunca jamais me esqueci de ti, nem descansarei o meu espírito semq nos vejamos. Este ano e tantos meses de auzencia tem sido para mim uma porção de séculos passado no mais duro carcere, porém esperando em Deus ser absorvido e entrar a gozar a tua amável presencia o mais breve possível.

Pezaroso pelos óbitos registrados recentimente em gentes de nossa família, peço a Ds os tenha na sua Gloria! ...

Unindo meus dezejos aos teus faço votos a Virgem da Conceição para que se digne proteger-nos para o comprimento da promessa que fizestes ao bom Jesus, entermediando para este fim a conservação do cabello do nosso Chico de Assis.

Aceitai mª quirida Bemvinda, o coração e um abraço deste que com a mais elevada estima e distincta consideração se digna ser e assignar.

De teu, M.  que ti estimará até a morte

Manoel Joaquim Leite





Agradecimentos à Jacintha (Tia Cintô) e a Manoel Joaquim Leite Neto (neto de Manoel Joaquim) que, além de ter me repassado as cartas, escreveu o livro Cedro Madeira de Lei, que utilizei como fonte de pesquisa. Observando que a transcrição, nesta postagem, não está em conformidade com a do livro.

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