Partidas e chegadas. Encontros e
despedidas. Tristezas e alegrias. É assim a vida. Algo bem representado pelas
estações de trem. Uns indo embora. Outros chegando. Retornando. Algo um tanto
reflexivo. Filosófico.
Pessoalmente, a imagem de trilhos
sempre me causou uma sensação de perspectiva, futuro, ir em frente, chegar
longe. Algo muito bom de se sentir.
Cresci numa rua que ficava em
frente a um trecho da linha do trem. Lembro de alguns vagões carregados de
pedras. E, como não era algo freqüente, o som dos vagões passando tirava todo
mundo de dentro das casas. Grande parte da rua ficava admirando a cena. Lembro, também, que os vagões eram avermelhados e que tinham bem grande o nome RFFSA.
Eu tinha um desejo, apesar de
achá-lo impossível, de seguir algum trecho de trem. E várias vezes
sonhei(literalmente) viajando em um. Por incrível que pareça, ainda hoje sonho
com trens. Infelizmente, nunca estou dentro deles, só do lado de fora olhando.
Depois de adulta, o destino me
colocou em contato, novamente, com essa história de trem e trilhos. Recebi um
convite para administrar um antigo armazém pertencente a essa mesma linha e que
seria transformado em um centro de cultura. Logo, quis conhecer a história daquilo
tudo. Armazém, estação, locomotivas, maria fumaça, vagões. Então, fiz uma
pesquisa com alguns ferroviários aposentados que residiam na cidade.
A Estação
Ferroviária de Salgueiro, inaugurada em 1962, é o fim da Linha Centro, que
ligava o litoral pernambucano ao Sertão. De fato, é o que podemos chamar
literalmente “o fim da linha”, pois o projeto ficou inacabado. A proposta
inicial era continuar o trajeto até Missão Velha, no Ceará. Esse intento, no
entanto, nunca foi concretizado. E o lugarzinho onde os trilhos acabam, ficou sendo chamado de corte.
Nossa programação
de domingo, hoje, foi fazer um pic nic em uma dessas muitas estações entre
Salgueiro e Recife. Distante 15
km da área urbana. Abandonada e em ruínas. Mesmo assim,
dá para sentir toda a energia do que aquilo representou e testemunhou. O nome,
na fachada do prédio, ainda está intacto. Engenheiro Arlindo Luz. Quem teria
sido? Merece uma pesquisa. De acordo com os ferroviários com quem conversei, é
a 43ª estação desde Recife. A seguinte, e última, é a de Salgueiro, onde,
atualmente, funciona uma secretaria municipal.
As casas, onde
os ferroviários residiam, ainda permanecem lá, mas, igualmente, em situação de
deterioração.
Entre as músicas
mais bonitas de Milton Nascimento, uma, em especial, traduz um pouco desse
romantismo e simbolismo das estações de trem e me marcou muito, na
morte do meu pai. Uma bela composição chamada Encontros e Despedidas. Ajudou-me
a compreender o processo natural da vida. Perdas e ganhos. Nascimentos e
mortes. Idas e vindas. Alegrias e tristezas. Meu pai partia ao mesmo tempo em
que muitos acabavam de chegar ao mundo. E na mesma estação, que é a vida.
Todos
os dias é um vai-e-vem
A vida se repete na estação
Tem gente que chega pra ficar
Tem gente que vai pra nunca mais
A vida se repete na estação
Tem gente que chega pra ficar
Tem gente que vai pra nunca mais
E é bonito perceber
que o trem que chega é o mesmo que parte.
Pois bem. Embaixo de
um pé de algaroba, sobre os trilhos de ferro e os dormentes de madeira, inspirados,
mesmo que inconscientemente por todos esses simbolismos, improvisamos uma
refeição bem típica de nossa região. Uma deliciosa galinha de capoeira, baião
de dois e farofa de cuscuz. Muitas conversas. Bastantes risadas.
E o lugar do
abandono, pelo menos hoje, foi povoado por um encontro entre amigos.
Perspectiva
Lá em cima, ainda conservado: Engenheiro Arlindo Luz
Fachada em 2013. 15 km da zona urbana de Salgueiro
Fachada em 1960
Estação, pelo lado de dentro
Casa dos ferroviários em ruínas
Galinha de capoeira, cuscuz e baião de dois
Já que o trem não passa mais...
É (foi?) a 43ª estação da linha Recife-Salgueiro
Equilíbrio
Fundos da Estação. Percebam, em segundo plano, as casas dos ferroviários