quarta-feira, 15 de maio de 2013

Um pedido de casamento de 1939

A história de Uriel e Maria é um exemplo de que vale a pena tentar. 

Ele era laboratorista. Um rapaz recifense recém-chegado a Salgueiro(PE), para uma missão profissional, a convite de um médico da cidade, Dr. Orlando Parahym. Apesar de estar comprometido com uma moça de Recife, na nova terra, encantou-se com Maria, com quem trocava discretos olhares durante as missas, na igreja. Nem palavras, nem aproximações físicas. Só olhares. Mas que motivaram-no ao rompimento de um noivado. 

Depois de um tempo no interior, os trabalhos foram concluídos e Uriel teve que retornar à Capital para dar continuidade à vida profissional. Lá noivou pela segunda vez, desesperançoso de reencontrar a jovem salgueirense. 

Graças a Deus ou ao destino, uma nova proposta de trabalho trouxe-o de volta a Salgueiro e, dessa vez para ficar. Resultado: outro noivado terminado na Capital e mais olhares na igreja. Só que agora, em uma breve conversa com Maria, teve a confirmação que o desejo, entre os dois, era recíproco, providenciando o pedido de casamento a Seu Nezinho, que viria a ser seu sogro.  

O pedido está registrado e, sete décadas depois, é possível conferi-lo em papel amarelado, tinta nanquim e letras desenhadas. Transcrevemos o conteúdo, na íntegra, para o caso de incompreensão da caligrafia.

Casaram-se em 1941 e esperaram catorze anos pela primeira gravidez. Infelizmente, a criança não sobreviveu ao parto. Três anos se passaram e nasce Maria Auxiliadora de Fátima. Mais seis anos e nasce Tarcísio, que viria a falecer aos trinta. Logo em seguida à chegada do segundo filho, vem ao mundo Maria do Socorro, portadora de síndrome de down, tendo resistido, apenas, até os doze anos.

O casal separou-se em 1978, pela morte de Uriel. A esposa faleceu em 1999.

"Nunca se deve ir de encontro à voz do coração", conforme afirma o pretendente, na carta em que fez o pedido de casamento. A voz do coração de Uriel lhe dizia: "Maria"! E ele obedeceu. 


Maria de Sá e Uriel Bandeira de Melo. Vestido feito pela própria noiva. Buquê de flores de laranjeira. E uma almofada bordada onde se ajoelhavam os noivos. 





Transcrição:

Caro senhor Nesinho:

Antes de tudo cumprimento-o respeitosamente. Espero que a presente lhe encontre com saúde e em perfeita paz de espírito. Roubando alguns minutos de sua atenção, venho tratar-lhe de um assumpto que sabes ser de grande interêsis entre mim e sua prezada filha em virtude da amizade que desde há muito mutuamente nutrimos, a qual, naturalmente investe-se das mais sinceras intenções. Senti-me bastante contristado ao saber que o senhor acaba de certa maneira se opondo; certamente por algum malentendido. Talvez quem sabe, o acaso dos destinos viesse nisto, acentuar a simpatia com que sempre o admirei e distingui desde o nosso primeiro conhecimento, dono que são dos reais excelentes predicados. Seria para mim absurdo, mediante aos meus humildes sentimentos de religião e de moral, viesse desta maneira roubar a confiança na amizade, e mais ainda, meu Deus, se isto chegasse a um estremecimento de desagradáveis conseqüências.
            Bem sei que é filha única a quem deve prezá-la com dedicação e afeto, porém de outra parte, isto é, sobre o ponto de um enlace matrimonial, creio que não sou tão indigno dela.
            Casamento é um sério encargo de consciência em que se deve agir com a precisa serenidade, pois sendo tão espiritual nunca se deve ir de encontro à voz do coração, quando não haja visto impedimento grave e indique que venha por ventura manchar a reputação de uma família.
            Eu que sempre olhei com simpatia a pessoa de sua estimada filha, e não tenho tido para com a mesma aproximação em conversas supérfluas, posso dizer, apenas posso confirmar que bem conheço nela uma mocinha de bem como dignamente lhe merece. Outrossim, como os imprevistos dos destinos nos impeliu a uma estreita e sincera afeição, e como por uma breve confidência com a mesma, soube que nutre sentimentos iguais por mim, aproveito o feliz momento afim de pedi-la em casamento. Meu prazer era vir pessoalmente, porém diante de sua atitude tendente a uma negativa, e para melhor me expressar e ao mesmo tempo como o íntimo assim o pede, resolvi fazer a presente.
            Que Deus seja o Supremo Confidente destas minhas palavras.
            Terminando, pois, a presente, aqui ficarei com a paz na consciência aguardando o mais breve possível uma resposta a respeito e rogando aos céus pela sua felicidade.
            Sem mais, sempre ao dispor.
            Do amigo certo e humilde, Huriel Bandeira de Mélo.


Salgueiro, Novembro de 1939



Agradecimentos à Maria Auxiliadora de Fátima Bandeira de Melo que me repassou todas essas informações.

2 comentários :

  1. Nossa uma bela história, porém muita tristeza. :(

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  2. Foi uma relação só de alegrias !!! Sou filha do casal !

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