Ontem estive na comunidade quilombola de Conceição das Crioulas, 2º distrito de Salgueiro. Quantos rostos lindos! E quantos cabelos encantadores. Fiquei maravilhada com os penteados das mulheres de todas as idades. Somos isso: cachos, África, ondas, curvas, volume.
Para algumas pessoas, uma tatuagem é muito mais do que um elemento estético. É simbolismo. Uma forma de externar algum sentimento, certeza ou filosofia de vida. No caso da jornalista Mariana Leite, fidelidade, estabilidade e firmeza são algumas das convicções nas quais acredita e que, além de gravadas na alma, estão marcadas na própria pele.
Esposa de Freddy Albuquerque, um dos proprietários do estúdioRec Ink Tattoo,tatuou uma caricatura dela e do esposo. Um sinal de amor. Literalmente, sentimentos à flor da pele. Ao todo são11 desenhos espalhados pelo corpo. Entre Rosas, andorinha, âncora, ideograma chinês e uma gueixa feita, especialmente, para concorrer em uma convenção de tatuagem.
E me veio, como uma luva, Chico Buarque.
Da esquerda para a direita, andorinha, flores e carinha de um personagem do anime Cyber Marionets. Mariana, em seu casório, com o noivo, o tatuador Freddy Albuquerque, autor da tatuagem mais recente da moça, a âncora, que significa fidelidade, estabilidade e firmeza.
Estilo new school é influeciado pela arte urbana. Cores chamativas que lembram grafitagem.
Âncora feita recentemente pelo maridão. A próxima tattoo será outra andorinha.
Andorinhas:
"Significa, basicamente, boa sorte e liberdade, mas também pode representar o amor verdadeiro, já que as andorinhas só possuem um parceiro pelo resto da vida. Aí, cabe ao tatuado definir se esse amor é pela família, amigos, namorada(o), esposa(o) e por aí vai."
Na composição da andorinha, Mari utilizou o estilo new school: cores fortes e chamativas e uma estética que lembra a arte urbana.
Âncora:
"É um símbolo old school que remete à velha escola da tatuagem. Ela tem representação de algo firme e seguro, mas também pode representar alguém agradecendo por sua atual estabilidade, fidelidade. Além de homenagear o estilo a que pertence, a escolhi pelo fato de estar sempre segura das minhas decisões, tanto no campo afetivo quanto no profissional." Feita pelo maridão.
A primeira tattoo:
"Sempre gostei de tatuagens e foi para homenagear uma banda que amo muito, Legião Urbana, que decidi fazer a minha primeira tatuagem, um violão que foi capa do Disco "As Quatro Estações". Essa tattoo, atualmente, está coberta, mas o carinho pela banda continua o mesmo".
"O que será que me dá Que me bole por dentro, será que me dá Que brota à flor da pele, será que me dá E que me sobe às faces e me faz corar E que me salta aos olhos a me atraiçoar E que me aperta o peito e me faz confessar O que não tem mais jeito de dissimular"
"Quero ser a cicatriz Risonha e corrosiva Marcada a frio Ferro e fogo Em carne viva..." (Tatuagem, Chico Buarque)
As postagens nesse blog sempre me fazem referência a uma música. Chico Buarque inspirou-me dessa vez. Há muito tempo que tenho vontade de fazer uma tatuagem. Vez ou outra estou procurando imagens no google que me inspirem coragem. E, numa dessas pesquisas, tive a ideia de aprofundar o assunto aqui. Primeiramente, conversei com Mariana Leite (M.L) que é casada com um dos proprietários do Rec Ink Tattoo, Freddy Albuquerque. Mari entende bem do assunto porque acompanha sempre Freddy e também porque tem várias tatuagens. Depois, reuni umas fotografias de amigas minhas belas tatuadas. Vou fazendo várias postagens para ficar mais didático e facilitar a leitura.
Que cuidados, com relação à saúde,
higiene, o tatuador deve ter na hora de fazer a tatuagem?
M. L. - Os tatuadores
devem usar luvas, máscaras e capotes. As agulhas são descartáveis. Lá no
estúdio, até as biqueiras são descartáveis. Mas para quem usa bico de aço
cirúrgico tem que ser autoclavado (esterilizado). Esses equipamentos garantem a
saúde do cliente e do artista.
O que são biqueiras?
M. L. - Biqueira é como se
fosse uma caneta.
Como se estabelecem os preços? É por
tempo gasto, por sessão, por tamanho da tatuagem?
M. L. - Por tempo não, mas
é variado. A maioria das vezes é por tamanho, mas se uma tattoo é muito grande
e o cliente não pode pagar toda de uma vez, ele pode optar por pagar por sessão.
O preço mínimo do estúdio é R$ 120,00.
Quais são as tatuagens que mais saem
entre as meninas?
M. L. - Flores, símbolos
do infinito, frases, estrelas, gatos, coroas, fadinhas, borboletas, desenhos
new school...
O que seriam desenhos new school?
M. L. - As tattoos New
School tem cores fortes e chamativas. A arte urbana é muito presente em elementos
como grafitagens, HQs, Cartoon e Pop-art.
Vocês fazem tatuagem em menores de 18
anos?
M. L. - Não fazemos
tatuagem em menores. É muita dor de cabeça. Mesmo que a mãe vá e diga: eu
deixo! Não fazemos.
Femininas e tatuadas
Reuni algumas tattoos delicadas e femininas, de amigas minhas, e o que elas dizem sobre o desenho que escolheram:
Lírios - "Significam a vida, pois elas estão brotando
e a coroa é porque minha família é a família Reis."
Daise Vas - Empresária de moda
Recife-PE
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Sofrosine
"Em grego Sophrosyne - etimologicamente significa saudável de mente, auto-controle ou moderação guiados pelo conhecimento e equilíbrio. Poeta romano Juvenal, posteriormente, interpretou sophrosyne como "mens sana in corpore sano" ("uma mente sã num corpo são ")".
Rosa do infinito
"Vários infinitos".Triquetra
"É um simbolo originário das tradições Celtas. Ele representa as três faces da Grande Mãe, a energia criadora do universo: a Virgem, a Mãe e a Anciã. Também representava as estações do ano, que antigamente eram divididas em três fases - primavera, verão e inverno. Era um símbolo muito comum na civilização Celta pelo seu enorme poder de proteção. Foi plagiado pelo cristianismo, para representar a Santíssima Trindade".
Milena Evangelista - Jornalista e produtora cultural
Recife-PE
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Coração rendado
"Eu tinha vontade de fazer uma primeira tattoo e não sabia o quê. Queria mostrar algo que eu gostasse ou admirasse.Vendo um livro que tenho de Ronaldo Fraga, estilista, encontrei esse desenho de coração em uma de suas peças. É um coração rendado. Pesquisei e no site havia essa ilustração. Levei a referência para o tatuador. É meio para retratar minha paixão por moda, costura, tecido e também lembra minha mãe, que era costureira, além de ser uma ilustração de um profissional que gosto muito".
Camila Lopes - Jornalista, fotógrafa e produtora de eventos
P&B e romantismo têm tudo a ver. Some-se a isso a musicalidade da língua francesa e o resultado é paixão com uma pitada de sensualidade. Ouça Françoise Hard e pense no seu amor... ou no lindo vestido novo que você vai comprar. Aconselhamos a segunda opção. É só acessar o nosso site e fazer o seu pedido: www.ateliebabayaga.com.br. Um beijo.
Meu pai era o cara das azeitonas. Comia as que deixávamos no prato, sempre que a nossa refeição era uma pizza. Depois que ele se foi, uma azeitona dando sopa num prato vazio, tornou-se a materialização de sua ausência e, ao mesmo tempo, de sua presença forte na família.
Era, também, um contador de histórias. Muitas. Geralmente, quando voltava de algum encontro com os amigos e compadres de cachaça, trazia alguma informação engraçada ou inusitada. Aliás, quando o álcool chegava naquele grau de causar alegria e solidariedade fraterna, meu pai costumava arranjar padrinhos para os filhos. O problema é que éramos, apenas três e os amigos eram muitos. Sem contar que a mãe das crianças nunca era consultada.
Nos aniversários, costumávamos acordar ao som da sanfona. Mais ou menos às seis da manhã, ele entrava no quarto tocando e cantando parabéns. Tentei aprender, mas nunca entendi como sincronizar os 120 baixos (aqueles botõezinhos pretos), todos iguais, com o teclado e, ainda, abrir e fechar o fole. É necessário muita coordenação motora e os conhecimentos musicais dele eram totalmente instintivos para que pudesse me explicar essa dinâmica de uma forma didática.
Tenho lembranças fantásticas da infância que, por mais que pareçam triviais, me causavam um sentimento muito bom e não lembro ter revivido algo parecido depois de adulta. Uma delas é saindo da igreja, com ele, para comprar um bombom que vinha com um anel de plástico de brinde. Eu tinha de todas as cores. Ganhava um por domingo e aquilo era maravilhoso. Eu brincava de ser rica com uma jóia valiosa.
Meu pai também foi o dentista extra-oficial dos filhos. Ele tinha um certo prazer sádico em arrancar nossos dentes de leite. Pedia só para ver se já estavam moles o bastante e, aproveitava, e empurrava o dedão. E, acabou participando diretamente das nossas mudanças dos dentes. Hoje, as crianças colocam embaixo do travesseiro para a fada do dente levar e deixar, em troca, uma moeda. No meu tempo não tinha essa fantasia. Era quase uma cerimônia de iniciação tribal, com direito a uma espécie de ritual. Era para girar três vezes com o dente na mão dizendo 'morão morão, pegue seu dente podre e me dê o meu são' e, depois disso, jogá-lo no telhado de casa. Lembro como a cena de um filme.
Na minha infância, fomos muito parceiros, principalmente, nos sábados. Era um lazer, para mim, acordar de madrugada para ir fazer a feira de frutas e verduras no mercado público. Mainha ia colocando a mão na massa, escolhendo, contando, mandando pesar as coisas, enquanto eu e painho bebíamos um caldo de mocotó num restaurante bem popular. Eu era pequena, mas também era uma tracinha porque eu sempre repetia. Depois de adulta, cortei as carnes de gado da alimentação, mas quando lembro desse caldo e dos mocotós, num prato duralex colorido, tenho uma imensa sensação de prazer.
Os cientistas dizem que somos constituídos de átomos. Mais que isso, nós somos feitos de histórias. E de história em história crescemos, viramos adultos e moldamos o nosso caráter. Uma presença paterna tem papel fundamental nesse processo.
Parabéns aos pais que fazem com que o filho acredite que é o personagem principal desse enredo diário e que, naturalmente, revertem os pequenos momentos em maiores lembranças.
Medalha de prata, mas para ele eu sempre estava nos primeiros lugares.
Feliz aniversário com sanfona
Parabéns. Aniversário de Rafael, em cima da cama e com direito a forró.
Raquel, Joaquim, Rafael, Lourdinha e dentro da barriga, Rodolfo.
Rodolfo, finalmente, nasceu e nasceu palhaço. Eu me identificava com a viúva Porcina e Rafael achava que morava numa batcaverna.
As valsas de formaturas de ABC são boas recordações
Partidas e chegadas. Encontros e
despedidas. Tristezas e alegrias. É assim a vida. Algo bem representado pelas
estações de trem. Uns indo embora. Outros chegando. Retornando. Algo um tanto
reflexivo. Filosófico.
Pessoalmente, a imagem de trilhos
sempre me causou uma sensação de perspectiva, futuro, ir em frente, chegar
longe. Algo muito bom de se sentir.
Cresci numa rua que ficava em
frente a um trecho da linha do trem. Lembro de alguns vagões carregados de
pedras. E, como não era algo freqüente, o som dos vagões passando tirava todo
mundo de dentro das casas. Grande parte da rua ficava admirando a cena. Lembro, também, que os vagões eram avermelhados e que tinham bem grande o nome RFFSA.
Eu tinha um desejo, apesar de
achá-lo impossível, de seguir algum trecho de trem. E várias vezes
sonhei(literalmente) viajando em um. Por incrível que pareça, ainda hoje sonho
com trens. Infelizmente, nunca estou dentro deles, só do lado de fora olhando.
Depois de adulta, o destino me
colocou em contato, novamente, com essa história de trem e trilhos. Recebi um
convite para administrar um antigo armazém pertencente a essa mesma linha e que
seria transformado em um centro de cultura. Logo, quis conhecer a história daquilo
tudo. Armazém, estação, locomotivas, maria fumaça, vagões. Então, fiz uma
pesquisa com alguns ferroviários aposentados que residiam na cidade.
A Estação
Ferroviária de Salgueiro, inaugurada em 1962, é o fim da Linha Centro, que
ligava o litoral pernambucano ao Sertão. De fato, é o que podemos chamar
literalmente “o fim da linha”, pois o projeto ficou inacabado. A proposta
inicial era continuar o trajeto até Missão Velha, no Ceará. Esse intento, no
entanto, nunca foi concretizado. E o lugarzinho onde os trilhos acabam, ficou sendo chamado de corte.
Nossa programação
de domingo, hoje, foi fazer um pic nic em uma dessas muitas estações entre
Salgueiro e Recife. Distante 15
km da área urbana. Abandonada e em ruínas. Mesmo assim,
dá para sentir toda a energia do que aquilo representou e testemunhou. O nome,
na fachada do prédio, ainda está intacto. Engenheiro Arlindo Luz. Quem teria
sido? Merece uma pesquisa. De acordo com os ferroviários com quem conversei, é
a 43ª estação desde Recife. A seguinte, e última, é a de Salgueiro, onde,
atualmente, funciona uma secretaria municipal.
As casas, onde
os ferroviários residiam, ainda permanecem lá, mas, igualmente, em situação de
deterioração.
Entre as músicas
mais bonitas de Milton Nascimento, uma, em especial, traduz um pouco desse
romantismo e simbolismo das estações de trem e me marcou muito, na
morte do meu pai. Uma bela composição chamada Encontros e Despedidas. Ajudou-me
a compreender o processo natural da vida. Perdas e ganhos. Nascimentos e
mortes. Idas e vindas. Alegrias e tristezas. Meu pai partia ao mesmo tempo em
que muitos acabavam de chegar ao mundo. E na mesma estação, que é a vida.
Todos
os dias é um vai-e-vem A vida se repete na estação Tem gente que chega pra ficar Tem gente que vai pra nunca mais
E é bonito perceber
que o trem que chega é o mesmo que parte.
Pois bem. Embaixo de
um pé de algaroba, sobre os trilhos de ferro e os dormentes de madeira, inspirados,
mesmo que inconscientemente por todos esses simbolismos, improvisamos uma
refeição bem típica de nossa região. Uma deliciosa galinha de capoeira, baião
de dois e farofa de cuscuz. Muitas conversas. Bastantes risadas.
E o lugar do
abandono, pelo menos hoje, foi povoado por um encontro entre amigos.
Perspectiva
Lá em cima, ainda conservado: Engenheiro Arlindo Luz
Fachada em 2013. 15 km da zona urbana de Salgueiro
Fachada em 1960
Estação, pelo lado de dentro
Casa dos ferroviários em ruínas
Galinha de capoeira, cuscuz e baião de dois
Já que o trem não passa mais...
É (foi?) a 43ª estação da linha Recife-Salgueiro
Equilíbrio
Fundos da Estação. Percebam, em segundo plano, as casas dos ferroviários
Jéssica, Nih, Bruno, Willy, Raquel
Encontros e Despedidas. interpretação de Maria Rita.
Até pouco tempo, a maioria das mulheres tinha uma máquina de costura em casa. Sempre há uma bainha para ser feita, uma alça para ser diminuída, um vestido para ser ajustado. A praticidade dos tempos mais modernos, no entanto, contribuiu para o surgimento de oficinas de conserto onde uma profissional faz o trabalho e recebe por ele.
Durante muitos anos, vesti roupas feitas pela minha avó. Fui crescendo e troquei a alfaiataria pelas peças industrializadas. Com a produção em larga escala e a emancipação feminina, as máquinas começaram a ser aposentadas nos lares e, hoje, é muito difícil encontrar uma mulher que costure sem fins profissionais.
Imagino que criar e produzir, pessoalmente, as roupas dos filhos e do marido deva ser algo muito prazeroso. E, claro, fazer o próprio figurino, receber elogios e responder sempre com vaidosos 'fui eu quem fiz'.
Sabrina casou em novembro do ano passado, na Catedral de Santo Antonio, em Salgueiro, e teve o privilégio de responder aos elogios com emotivos 'foi minha mãe quem fez'. Uma enorme prova de carinho. Aliás, os vestidos das daminhas, que ficaram primorosos, também foram confeccionados por ela.
A mãe de Sabrina é empresária e não vê incompatibilidade em ter sucesso profissional e cultivar dotes femininos. Lêda, também já foi noiva, casou em julho de 2002 e costurou e bordou o próprio vestido de casamento, além das roupas das daminhas, da sogra, da mãe e das duas filhas. Um gesto de afetividade simbolizado na herança deixada pela avó, uma máquina de costura, bem diferente dos modelos atuais, com poucas funções e, inutilizada pelo passar dos anos. Mas, sem dúvida, algo que representa muito para Sabrina, Lêda e toda a família.
Sabrina: vestida de carinho
'Foi minha mãe quem fez'
Cumplicidade que faz toda a diferença num dia tão importante
Pétalas para Sabrina
Daminhas vestidas pela mãe da noiva
Irmanzinha da noiva, Laís, também pode dizer 'foi minha mãe quem fez'
A mãe de Sabrina também já foi noiva e pode fazer inveja: 'fui eu quem fiz'
Daminhas de Lêda por Lêda. O noivo, Clélio.
Lêda, entre Synara e Sabrina, em 2002. A noiva confeccionou o figurino das duas filhas.
Em 1900, Manoel Joaquim, que morava no Cedro-PE, embarcava em direção ao norte do País. Deixava, provisoriamente, uma esposa e quatro filhos.
Em um barco a vapor chamado Paes de Carvalho, percorreu alguns rios entre Piauí (Amarante, Teresina), Maranhão (Caxias e São Luís) e Pará, até chegar a Manaus, no estado do Amazonas.
Registrou a saudade de casa e da família em um diário, que se perdeu, e em cartas, algumas das quais foram conservadas até hoje, ainda que em fragmentos. Mas, para mim, o registro maior de todos é o do sentimento pela esposa que, aliás, tinha um nome inspirador. Era Bemvinda do Amor Divino.
Nessa época, as notícias demoravam a chegar. Imagine, um mês para uma correspondência chegar ao destino e mais outro mês para retornar como resposta. Sem o telefone ou a internet e seus recursos que, hoje, amenizam a saudade, os reflexos da distância são inimagináveis para a nossa geração. Principalmente se for entre pessoas que se gostam.
Em 9 de abril de 1902, Manoel Joaquim redigia uma carta para Bemvinda e relatava que, apenas, em 28 de março, pode estar em posse da “amável cartinha datada de 23 de fevereiro” postada por ela. Um mês e cinco dias contados da data de envio.
É esse o tom das palavras. Muito afeto e diminutivos carinhosos. Deixa, para os tradutores, uma boa definição sobre a saudade, termo considerado de difícil tradução:
“(...)um só momento do dia e da noite desde que tive a infelicidade de sahir da tua presença até esta data nunca jamais me esqueci de ti, nem descansarei o meu espírito semq nos vejamos. (...) Este ano e tantos meses de auzencia tem sido para mim uma porção de séculos passado no mais duro cárcere (...)”.
Na carta de 23 de fevereiro (não tive acesso), Bemvida relata problemas de saúde. Em resposta, Manoel supõe que seja mal de um amor distanciado. “(...) essa mesma saude que indica a convalencia do que sempre andas soffrendo, toda via crendo ao mesmo tempo que são malles cauzados pelo nosso amor a tanto tempo distanciado.”
Infelizmente, quando Manoel Joaquim retorna ao Cedro, em 1902, não encontra a esposa. Morrera, havia oito dias, com, apenas, 26 anos.
Neste fim de semana estive com uma das netas de Manoel e Bemvinda, Jacintha Anna (84), e perguntei sobre a causa do falecimento da avó. Ela não sabe informar.
Eu, particularmente, acho que é possível adoecer de saudade. E morrer de amor.
Tenho o privilégio de ser trineta de Manoel e Bemvinda e de ter tido acesso a um pedacinho pequeno, porém muito significativo da minha história que, agora compartilho com vocês. São essas as maiores heranças.
Transcrição:
Pará, 9 de Abril de 1902
Querida Bemvinda, abraço-te. No dia 28 de março as 4 ½ horas
da tarde entrei 2ª vez na posse de tua amavel cartinha datada de 23 de
fevereiro p. findo a qual veio encher-me de prazer por saber da tua saude e de
nossos filhinhos(...)
(...) essa mesma saude que indica a convalencia do que sempre
andas soffrendo, toda via crendo ao mesmo tempo que são malles cauzados pelo
nosso amor a tanto tempo distanciado.
Deus e nossa Mãe Maria S.S. não desampara os seus e portanto
é em qm verdadeiramente confio o nosso bom êxito o mais breve possível ...
(...)um só momento do dia e da noite desde que tive a
infelicidade de sahir da tua presença até esta data nunca jamais me esqueci de
ti, nem descansarei o meu espírito semq nos vejamos. Este ano e tantos meses de
auzencia tem sido para mim uma porção de séculos passado no mais duro carcere,
porém esperando em Deus ser absorvido e entrar a gozar a tua amável presencia o
mais breve possível.
Pezaroso pelos óbitos registrados recentimente em gentes de
nossa família, peço a Ds os tenha na sua Gloria! ...
Unindo meus dezejos aos teus faço votos a Virgem da
Conceição para que se digne proteger-nos para o comprimento da promessa que
fizestes ao bom Jesus, entermediando para este fim a conservação do cabello do
nosso Chico de Assis.
Aceitai mª quirida Bemvinda, o coração e um abraço deste que
com a mais elevada estima e distincta consideração se digna ser e assignar.
De teu, M. que ti estimará
até a morte
Manoel Joaquim Leite
Agradecimentos à Jacintha (Tia Cintô) e a Manoel Joaquim Leite Neto (neto de Manoel Joaquim) que, além de ter me repassado as cartas, escreveu o livro Cedro Madeira de Lei, que utilizei como fonte de pesquisa. Observando que a transcrição, nesta postagem, não está em conformidade com a do livro.