sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Maternidade


Ilustração de Uiara Coelho. Ela pinta com blushes, sombras e batons.  



A solidão da casa e o vento frio na varanda convidaram-na aquele sentimento. A noite estava acolhedora, tanto quanto a cadeira de balanço bem posicionada em frente ao jardim. Os botões de rosas abriam-se. Ao mesmo tempo, a intuição de ser mãe desabrochava nos seus pensamentos. Era respirar profundamente, fechar os olhos e sentir a maternidade dentro do útero.

A criança não nascera, mas já fora gerada em seu instinto de amar.  Cuidadosamente, acomodou esse filho imaginário entre os seios que um dia o amamentariam e sentou-se na balançadeira. Cantou para o rebento, ainda sem nome, canções falando de beleza, de natureza, de inocência. Com a voz leve. Feminina. Materna.

O abraço era de cumplicidade. Embora a criatura não estivesse materializada em seus braços, através de uma forma visível, o abraço existia e estava dentro daquele corpo de mulher de vinte e poucos anos, junto com o repertório musical de ninar, o acalanto, as renúncias e os ensinamentos sobre Deus. Todos eles, ansiosos por aflorarem em totalidade e completude.

- Como seria gostoso sentir o peso de uma criatura na barriga! E andar devagar, pacientemente, pois toda espécie de espera é uma grande prova de amor. E quanto saboroso seria preservar-se pelo fato de guardar em seu corpo um outro corpo. Indefeso. Ela o defenderia. O cuidaria incansavelmente. – Aconchegava ao peito os pensamentos, com mais contato. Pele sobre pele. Como se fosse um bebê.

Cantou até a criança dormir. Dormiu. Puro e acarinhado. Quem a visse, naquela sala, pensaria vê-la sozinha. Mas uma mulher, durante seus momentos de desabrocho, terá alimento no seio, inquietação no ventre e estará sempre acompanhada dos seus filhos. Mesmo não nascidos.  


O Rio - Marisa Monte

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