Ilustração de Uiara Coelho. Ela pinta com blushes, sombras e batons.
A solidão da casa e o vento frio na
varanda convidaram-na aquele sentimento. A noite estava acolhedora, tanto
quanto a cadeira de balanço bem posicionada em frente ao jardim. Os botões de
rosas abriam-se. Ao mesmo tempo, a intuição de ser mãe desabrochava nos seus
pensamentos. Era respirar profundamente, fechar os olhos e sentir a maternidade
dentro do útero.
A criança não nascera, mas já fora
gerada em seu instinto de amar.
Cuidadosamente, acomodou esse filho imaginário entre os seios que um dia
o amamentariam e sentou-se na balançadeira. Cantou para o rebento, ainda sem
nome, canções falando de beleza, de natureza, de inocência. Com a voz leve.
Feminina. Materna.
O abraço era de cumplicidade. Embora a
criatura não estivesse materializada em seus braços, através de uma forma
visível, o abraço existia e estava dentro daquele corpo de mulher de vinte e
poucos anos, junto com o repertório musical de ninar, o acalanto, as renúncias
e os ensinamentos sobre Deus. Todos eles, ansiosos por aflorarem em totalidade
e completude.
- Como seria gostoso sentir o peso de
uma criatura na barriga! E andar devagar, pacientemente, pois toda espécie de
espera é uma grande prova de amor. E quanto saboroso seria preservar-se pelo
fato de guardar em seu corpo um outro corpo. Indefeso. Ela o defenderia. O
cuidaria incansavelmente. – Aconchegava ao peito os pensamentos, com mais
contato. Pele sobre pele. Como se fosse um bebê.
Cantou até a criança dormir. Dormiu.
Puro e acarinhado. Quem a visse, naquela sala, pensaria vê-la sozinha. Mas uma
mulher, durante seus momentos de desabrocho, terá alimento no seio, inquietação
no ventre e estará sempre acompanhada dos seus filhos. Mesmo não nascidos.
O Rio - Marisa Monte
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